Sob o governo de Jair Bolsonaro, o programa federal Cisternas – que garante o acesso à água própria ao consumo e para a produção de alimentos e criação de animais nas regiões mais secas do Brasil – apresenta o pior desempenho desde sua criação, em 2003. Reportagem do jornal Valor Econômico, divulgada nesta segunda-feira (22), aponta que depois de entregar 30,5 mil reservatórios de água em 2019 – o menor número do programa até então – apenas 8.300 cisternas foram construídas em 2020. E a quantidade deve despencar ainda mais neste ano, quando o Ministério da Cidadania projeta a entrega de 6 mil equipamentos.
O total é inferior inclusive à quantidade de cisternas instaladas no início do programa, há 18 anos. O governo Bolsonaro dispõe de orçamento para a construção de 17,4 mil cisternas nesse período de seca mais rigorosa da história recente. São R$ 32 milhões aprovados para 2021, mas apenas R$ 500 mil foram empenhados, 1,5% da dotação orçamentária, que decorrem de emendas parlamentares. E nada efetivamente foi gasto. De janeiro a agosto, apenas 1.632 equipamentos foram entregues para o consumo de água potável, assim como outras 354 para produção de alimentos e 57 em escolas.
De acordo com a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), há, porém, pelo menos 350 mil famílias que aguardam na fila de espera pelas cisternas para acessar água própria ao consumo. Conforme reportagem da RBA, os recursos para o programa vem “literalmente secando” desde 2016, no governo de Michel Temer. Parceira histórica para implementação da tecnologia, a ASA aponta, contudo, que sempre conseguiu dialogar com todos os governos. Mas teve interlocução rompida com a gestão de Bolsonaro, que encerrou os canais de diálogo.
Bolsonaro agrava crise
A deputada estadual Neusa Cadore (PT), conhece bem a realidade no semiárido e alertava para o retrocesso do governo Bolsonaro, ainda no início de 2020.
“Já havíamos denunciado a vontade de Bolsonaro em acabar com o programa. É um grande retrocesso que afeta a população do semiárido. Além de dificuldade de acesso à água, há impactos para a agricultura familiar, para a produção de alimentos e para a geração de renda na zona rural. Essa política gera mais pobreza, desigualdade e aprofunda a volta da fome.”
A parlamentar destacou ainda o impacto negativo na vida das mulheres, muitas vezes, responsáveis por providenciar a água para todo abastecimento humano.
Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, o coordenador executivo da ASA, Alexandre Pires, alertou que a falta de água e a interrupção de políticas públicas no semiárido ampliam um cenário já crítico em meio a uma crise sanitária e econômica. A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) constatou que são mais de 4 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar na região.
“Ao longo desses anos, a ação da ASA com governos comprometidos conseguiu construir uma outra cara para o semiárido. E essa outra fisionomia tem uma relação direta com o direito da população de ter acesso à água potável na porta de casa”, aponta. “O programa de cisternas vai construindo o máximo possível de fontes de água que deixem cada vez mais essas famílias autônomas e com um grau de segurança e sustentabilidade hídrica capaz de gerar toda uma autoestima e uma possibilidade dessas famílias terem um poucos mais dignidade vivendo na zona rural, produzindo alimentos e conservando as nossas sementes crioulas. Esse é um aspecto bastante relevante, sobretudo no momento em que vivemos no Brasil com mais de 20 milhões de pessoas passando fome.”
Campanha ‘Tenho Sede’
Diante da inação e da redução do orçamento por parte do governo Bolsonaro, a ASA tem procurado outros tipos de parceria para implementar as cisternas e colocou no ar neste ano a Campanha Tenho Sede. Ela permite que qualquer pessoa que esteja no Brasil possa fazer uma doação voluntária de recursos. Em outra frente, a entidade também procura estabelecer parcerias com companhias de água e saneamento dos estados, com apoio do Consórcio Nordeste. O artista, ex-ministro da Cultura e recém eleito imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Gilberto Gil apadrinha a campanha.
“O recurso público está parado pela ineficiência que o governo tem para implementação do programa. E, além da escassez de recursos, há também um movimento de esvaziamento da gestão do programa de cisternas”, explica Pires. “Estamos sensibilizando a sociedade para uma agenda urgente e necessária que é a garantia do acesso à água para as populações rurais que ainda não têm acesso a essa tecnologia da cisterna. Seja a água para consumo humano como também as tecnologias de água para produção”, destaca o coordenador do ASA.
Fonte: Rede Brasil Atual
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